Alguma coisa na água dos pântanos de Louisiana

Então que assim seja, leitores(as). O desatino de me incluírem na equipe do Cowabanga já foi cometido, e agora é tarde demais. Sempre que tiver tempo e inspiração, vou eu também contribuir com minhas visões sobre cultura pop, juntando-me humildemente ao mui seleto e qualificadíssimo time de redatores do blog. Espero ser capaz de trazer coisas interessantes para aqueles que, corajosamente, seguem esse blog onde quer que ele vá. Certinho?

Então tá. Vou começar lembrando uma das coisas que marcou a minha infância de modo inesquecível, colaborando decisivamente para moldar minha visão de mundo e me transformar nisso que eu sou agora: as revistas em quadrinhos do Monstro do Pântano. Sim, nada de Pato Donald ou Turma da Mônica – tá certo, eles até colaboraram um pouquinho, mas quem de fato marcou minha imaginação foi o Deus do Atoleiro, o Homem-Grama, o elemental da terra que dos pântanos de Louisiana espalhou o terror pelo universo DC e, de quebra, revelou de vez um nome hoje lendário para qualquer um que goste de HQs: Alan Moore.

O personagem em si foi criado no início dos anos 70, para uma história curta publicada em uma revista da DC Comics chamada House of Secrets. Basicamente, os criadores Len Wein e Berni Wrightson relataram a história de um cientista (na época chamado Alex Olsen) atingido por uma explosão, e que ao fugir em chamas para o pântano acaba incorporando parte da vegetação e se tornando uma criatura híbrida e horrenda. Era para ser uma única história simples, mas o sucesso foi considerável e a dupla acabou sendo convocada para o desenvolvimento de uma revista exclusiva do personagem. Nas primeiras edições, a história do Monstro do Pântano (Swamp Thing, no original) ganhou detalhes: agora chamado Alec Holland, o cientista pesquisava uma fórmula capaz de espalhar vegetação por regiões áridas e foi vítima de uma tentativa de assassinato – sua aparência tornando-se consequência da queda do experimento sobre sua pele e músculos, queimados pela explosão.

A série teve algum sucesso durante os anos 70, mas logo foi caindo de nível, e nos anos 80 uma seqüência de sagas esdrúxulas e mudanças de argumentistas / desenhistas ameaçava jogar a revista no limbo. É aí que Alan Moore se mete na história e a modifica completamente. Na época um roteirista pouco conhecido, Moore recebeu a revista com carta branca para fazer o que quisesse – afinal, era questão de meses para a série ser extinta definitivamente devido às baixíssimas vendas. De cara, ele muda a própria concepção do monstro: de resultado de um acidente químico, a criatura se torna um elemental da terra, uma entidade que se apropriou da consciência de Alec Holland muito mais do que de seu corpo. A partir daí, o que era uma sucessão de confrontos insossos com bandidões politicamente incorretos vira uma jornada de auto-conhecimento da própria criatura – inclusive afetivamente, pois aos poucos um relacionamento intenso com Abby Cable, ex-esposa de um personagem secundário chamado Matt Cable, surge para complicar ainda mais a vida do já bem confuso monte de lama ambulante. Jornada, é claro, sempre recortada por sagas aterrorizantes dentro das profundezas da América, geralmente representadas de modo sombrio pelos geniais ilustradores Steve Bissete e John Totleben. E isso que nem falei que foi nessa fase que foi criado o personagem John Constantine, à época um mero coadjuvante do verdão…

Foi esse arco de histórias que deu fama inicial a Alan Moore (depois viria Watchmen, né, mas enfim), que transformou o Monstro do Pântano em ícone dos quadrinhos e que, publicada no Brasil pela Abril, mexeu definitivamente com a mente de um pequeno porto-alegrense. Minha mãe tinha por hábito comprar revistas em quadrinhos para mim e para meu irmão, mesmo quando éramos muito novos e ainda não sabíamos nem ler – os desenhos nos distraíam, e assim ela conseguia alguns minutos de paz. Porém, embora fosse uma mãe desejosa de dar entretenimento aos filhos, ela não era tão extremada a ponto de analisar profundamente as revistas que comprava: dava uma olhada na capa, e se não parecia muito pesado ela levava para casa sem medo de errar. Problema é que, na época, as histórias do Monstro do Pântano eram publicadas na revista Superamigos – ou seja, minha mãezinha comprava uma revistinha com o Super-Homem ou o Aquaman na capa achando que tudo bem e voilá, salta um moleque de seis anos folheando páginas de puro terror quadrinístico.

Lembro que as primeiras imagens do Monstro eu vi quando nem sabia ler ainda, e que só anos depois tive coragem para tentar decifrar as histórias daquelas revistas. Lembro da saga do Macaco-Rei, em especial da assustadora aparição do demônio Etrigan (esse aí da foto ao lado), que era ainda mais satânico por só falar em versos – e poderá existir coisa mais mórbida do que um diabo amarelo que rima até quando vai dizer boa-noite? Fecho os olhos agora, e lembro de uma sequência em que Matt Cable, vitimado em um acidente de carro e ainda preso entre as ferragens, é assediado por um demônio. Em forma de mosca, o ser das trevas tenta o moribundo, e o pacto é selado pelo único modo que o acidentado é capaz: esmagando a mosca entre os dentes… Eram duas páginas assustadoras, tenham certeza – e, mesmo que hoje eu seja adulto e já tenha lido essa história umas quinze vezes no mínimo, ela ainda me impressiona, ainda mais quando lembro do impacto que ela me causou e dos pesadelos que tive por causa dela. Se hoje eu sou um fã de histórias de terror, é principalmente por causa da publicação no Brasil dessas histórias do Elemental de Louisiana – de modo que sou grato a Moore, Bissete e Totleben, bem como à Editora Abril e, por que não dizer, também a minha doce e ingênua mamãe, que com a melhor das intenções me permitiu ter contato com essas histórias maravilhosamente doentias e delirantes. Ainda hoje cato edições brasileiras do Monstro nos sebos da vida, em parceria com meu irmão – e não falta muito para que completemos de vez essa coleção singular. Depois de Moore, a coisa degringolou de novo, fizeram o bicho ter filho com Abby e até encontrar Jesus (literalmente!), e parece que a revista foi retomada recentemente, depois de anos desativada. Mas a “fase Moore” continua sendo clássica, e as reedições da saga são disputada a tapa por colecionadores que sabem o que é bom na vida. Nada mais justo.

Por hoje é só, pessoal. Divirtam-se, e até a próxima.

Postado por Igor

1 Responses to Alguma coisa na água dos pântanos de Louisiana

  1. Kauê disse:

    muito bom post
    a pessoa que te deu a idéia de escrever sobre o assunto deve ser um gênio =P
    enfim, bela estréia
    se lesse estas palavras, alan moore, vulgo ‘o rouxinol de northampton’, certamente ficaria satisfeito

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