As cores opacas de Porto Alegre – Parte 1

12/09/2008

Como prometido, aqui vai a minha história sobre o show do Living Colour em Porto Alegre.

Abril de 2004. Nada de muito interessante acontecia. Este escriba aguardava a matrícula pra faculdade no segundo semestre do ano – o que, ao mesmo tempo, significava férias prolongadas por oito meses. Quase trinta dias antes, havia perdido, naquele momento, o show da minha vida: Jethro Tull em Porto Alegre. Impossível para um cidadão que ainda não havia ingressado no mercado de trabalho arranjar 100 pila pra um mísero ingresso de platéia alta no Teatro do Sesi (ainda mais quando os pais achavam que gastar essa grana em um show era um absurdo). Quando havia surgido uma chance mágica caída do céu de conseguir 200 reais através de uma campanha publicitária do Universitário, pasmem: os ingressos esgotaram. Em cinco dias. De 10 a 15 de março. O show seria dia 22. Deus, como aquilo doeu! Mas, como dito em outro post, a vida seguia.

Passaram-se alguns dias e surgiu a notícia de que o Living Colour estava vindo para o Brasil. “Esse não vou perder nem que chovam canivetes!”, pensei. Ingresso a 25 reais, bem baratinho. Bons tempos que os ingressos em Porto Alegre eram baratos. Para se ter uma idéia, em 2002 o Nightwish tocou no Opinião por 25 reais cada entrada. Em 2004, esse preço subiu 220% – ou, trocando por gajos, para 80 reais! A Rita Lee dava pra assistir no Teatro do Sesi por 40 reais a platéia baixa (ingresso mais caro). Hoje você paga 70 reais e olhe lá. A crise, irônica e meta-ironicamente, atingiu os artistas…

O show seria realizado no Gigantinho, dia 24 de abril, às 21h. Até aí tudo bem: apesar da acústica do Gigantinho servir mais para desgastar o ouvido do que melhorar o som, ao mesmo tempo que o lugar NÃO SERVE para comportar um espetáculo grande – e o Iron Maiden esse ano provou isso de forma cabal – a tendência era de bom público. Afinal, o Living Colour surgira na década de 80, era apreciado por muitos da imprensa musical mundial e tinha muitos fãs no Brasil. O próprio baterista Will Calhoun disse que os admiradores que mais clamaram pela volta da banda foram os brasileiros.

Nem o fato das bandas de abertura nada terem a ver com o Living Colour abalou minha convicção, apesar de ter deixado algumas farpas no cérebro. “Como assim?”, mentalizo vocês perguntando. Ora, caro leitor. Você que leu o post sobre o quarteto, informou-se um pouco mais, ouviu a música deles e definitivamente concretizou a existência deles em sua cabeça, responda: se você fosse produtor desse show, colocaria o Diretoria e o TNT para abrirem o espetáculo? Pois é, nem eu. E se você quer saber do porquê desses dois grupos terem tocado na abertura do Living Colour, tem uma explicação bem plausível e possível, senão verdadeira: o show estava sendo apoiado e patrocinado pela Atlântida. Isso lembra uma certa gravadora, que por pura coincidência, tinha contrato com o Diretoria e o TNT. Lembre-se, caro leitor: a crise chegou nos artistasE nas produtoras também. Bem como nos patrocinadores!

Os ingressos foram vendidos nas lojas Colombo dos dois maiores shoppings da capital na época. Divulgação na TV? Praticamente inexistiu. Jornais? Uma ou outra coisinha. Rádio? Aí não sei responder, não ouvia e não ouço a Atlântida. Alguns amigos comentaram que a divulgação na rádio começou dia 20 de abril, ou seja, quatro dias antes do show. Qualquer impressão de desmerecimento não é mera coincidência.

Em meio a esse cenário cinza da publicidade, o anúncio mais vigente eram os outdoors em Porto Alegre informando sobre o show. e estava escrito bem assim:
Lojas Colombro e Rádio Atlântida apresentam: LIVING COLOUR – A MAIOR BANDA DE RAP ROCK FUSION CHEGA A PORTO ALEGRE!

Rap Rock Fusion… Que diabos é Rap Rock Fusion? Alguém sabe me explicar?
Pois agora imagine, caro leitor: sabemos que Porto Alegre é uma capital que geralmente não tolera diferenças. Ou você é colorado ou é gremista. Ou você é de esquerda ou de direita. Ou é maragato ou é chimango. Ou é roqueiro ou é reggaeiro. Meio-termo? Não, não existe esse vernáculo no vocabulário de alguém que se criou em Porto Alegre.
Pois bem, um cidadão porto-alegrense que veja esse cartaz na rua certamente não vai entender lhufas do que é Rap Rock Fusion. Mas certamente o primeiro sentimento vai ser de repúdio. De ojeriza. Elementar, meu caro Corey. Como dois estilos completamente distintos podem se fundir? Sem falar que Rap + Rock normalmente dá a entender que o Living Colour poderia ser comparado com bandas como Limp Bizkit e Linkin Park.
Resultado final: os publicitários que cuidaram dessa divulgação certamente não sabiam o que divulgar da banda. E fizeram qualquer coisinha.

Mas parando um pouco de ser ranheta e voltando para as desconfianças na véspera do show: comprei meu ingresso. Vinte e cinco reais bem gastos. Olho para o número do mesmo (nota do redator: procurei o ingresso aqui em casa dentro de uma pasta, mas não o encontrei. Por isso, vai ficar a informação inexata aqui). Algo entre 140 e 150, pelo que eu lembre. Fico preocupado: só isso de ingressos vendidos? Entro na internet e falo com alguns amigos. Um deles comprou o ingresso em outro lugar. Número 96. Somando, não chegaria a 300 pessoas. Das duas uma: ou estavam pra comprar os ingressos em cima da hora, ou o show seria um fiasco de público. Ou talvez aquela numeração nada tivesse a ver com a quantidade de ingressos vendidos. Conversando com alguns conhecidos que só tinham ouvido ou nunca tinham ouvido falar da banda, apostava mais na segunda opção.

Mesmo assim, ficava um tanto satisfeito com o quarteto chegando a Porto Alegre. O setlist me animava mais ainda: só clássicos da banda. Type, Cult of Personality, Glamour Boys, além de algumas improvisações e covers, como Back in Black, Seven Nation Army e Crosstown Traffic. Os quatro ainda tinham ido no programa do , que acabei não assistindo (por sono e pra não estragar a surpresa do show).

Até que chegou o grande dia 24 de abril de 2004. E chegavam as quatro horas da tarde. Banho, uma roupa leve e o ônibus até o Parque da Marinha. Depois, meia hora de caminhada até o Gigantinho.

O resto dessa história?
Em menos de uma semana, a parte 2 (isso, claro, se ela tiver audiência).

Abraço a todos.


Cotovelos duplamente de luto

04/09/2008

Hoje de manhã pensei no Astronauta. Sim, o Astronauta da Turma da Mônica, que desbrava o Universo em busca de diversas raças alienígenas e planetas desconhecidos, dentro de sua nave que mais parece uma bola de futebol da Copa de 66. Representante da imaginária BRASA (Brasileiros Astronautas), ele viaja sem descansar. Tem como companhia apenas um computador, com quem às vezes joga xadrez. E em uma ou outra oportunidade, um extraterrestre que aceita acompanhá-lo em suas aventuras, abandonando-o posteriormente.

Mas nem os desenhos possuem lá seu mundo perfeito, como acreditamos que eles tenham quando somos crianças. Para seguir sua carreira, o Astronauta teve que abandonar sua família. Seus amigos. E principalmente, sua maior paixão: uma garota chamada Ritinha. Cabelos negros, olhos verdes, corpo esbelto. Mulher para homem nenhum botar defeito (embora eu preferisse bem mais a Jessica Rabbit; céus, aonde estou chegando discutindo beleza de mulher de desenho animado??? Ah, tudo bem, já vi garotas se desmanchando por causa do Johnny Bravo ¬¬). Em resumo: Astronauta quis fazer o que todas dizem para seu amado fazer: siga seu destino e seu trabalho, cresça na vida.

E ao crescer (ou diminuir, já que ele fica praticamente um anão ao entrar naquele uniforme) e desbravar estes pagos cósmicos, o nosso herói do espaço sideral (ou vão me dizer que vocês nunca ouviram esse disco?) retorna pela primeira vez para a Terra… E encontra sua amada nos braços de outro. Com um filho. E nosso herói chora de tristeza, adquirindo outra companhia indesejável em suas viagens: uma dor-de-cotovelo. Aquilo que acompanha os apaixonados infelizes, que não podem realizar seus sonhos mais profundos, não podem possuir sua amada, aquilo tão precioso para seu coração. E este, senhoras e senhores, é um dos tantos exemplos de apaixonados que sofrem com sua articulação braçal injuriada pelo deus Cronos (sim, as chamadas “feridas do tempo”, seu animal!)

E foi no Astronauta que pensei hoje quando soube da morte de outro apaixonado. Certamente o indivíduo dedicado ao éter cósmico (só pra parodiar o nosso eterno professor Carvalho), ao ter lido através de seu computador, em um portal qualquer de notícias, a morte do seu ídolo Waldick Soriano, de câncer na próstata, certamente sentiu sua dor-de-cotovelo ganhar vida e debulhar lágrimas, numa variação da chamada “tirar água do joelho”. Ele, que não era nenhum Bidu, não. Nenhum Bugu. Nenhum Duque. Nenhum Floquinho. Nenhum Manfredo. Nenhum Monicão. Nenhum Vagabundo (pra quebrar essa hegemonia da MS Produções no post) pra viver tão humilhado.

O cotovelo mais injuriado, na música brega, deste brasil vinil, estava nas últimas desde maio do presente ano. Nascido em 1933 na cidade de Caetité, na Bahia, ele estourou nos anos 50, 60 e 70. Dizem por aí que ele foi um dos músicos mais beneficiados pela Ditadura, já que era um dos artistas menos censurados nas rádios. Mas isso não obscurece seu talento. Um autêntico artista Country do Brasil.
Nunca vi a cena que falam que ele e Silvio Santos se abraçaram, perderam o equilíbrio e caíram no chão juntos, ainda abraçados. Caídos, simularam uma cena engraçadíssima, como se estivessem se “cantando” um ao outro. Se alguém tiver o vídeo dessa cena, por favor, nos avise.

Mas não foi só o Astronauta que chorou hoje a morte de um ícone dos indivíduos com dor-de-cotovelo. Nos EUA, o personagem Charlie Brown (que também não é nenhum Snoopy, não) sentiu sua articulação braçal debulhar secreções, quase como uma carpideira. Aos 91 anos de idade, morreu ontem o desenhista Bill Melendez, que desenhava as animações da turma do Charlie Brown para a televisão e também fazia a voz do Snoopy (voz entre aspas, é claro; Snoopy só fazia barulhos, nunca pronunciou uma palavra). Durante quase quarenta anos, trabalhou junto com Charles Schultz, o criador da turma do Charlie Brown. Não pesquisei, mas provavelmente os episódios do Beagle da Páscoa e da menina ruiva que o Charlie Brown é apaixonado e dá um beijo nele em um baile do colégio (meus dois episódios preferidos) tenham sido desenhados por ele.

Hoje é um dia triste, para os que sofrem de dor-de-cotovelo (como o Astronauta e o Charlie Brown) e também para os fãs, tanto de Waldick quanto do Snoopy, de todas as idades. A eles, deixamos apenas nosso muito obrigado e que partam em paz. Ao Astronauta e ao Charlie Brown, nosso consolo. Até porque a vida, a morte e a dor maldita da articulação braçal, não necessariamente nessa mesma ordem, seguem.

Foto do Waldick Soriano é da Folha Imagem (fotógrafa Ana Ottoni)
Mais notícias:
Cantor Waldick Soriano morre no Rio aos 75 anos
Desenhista do Snoopy morre aos 91 anos nos EUA

(Silêncio sem despedida)


“Batman has no limits.”

01/09/2008

No meu último post, mencionei que a análise de Batman – O Cavaleiro das Trevas deveria chegar em poucos dias. Aparentemente, me equivoquei. O correto seria: “aguardem para as próximas semanas”. De qualquer forma, antes tarde do que mais tarde. E eis que, no dia seguinte ao fim de semana em que o filme chegou aos US$ 500 milhões nas bilheterias americanas, consolidando sua posição como a película de segunda maior bilheteria doméstica da história (atrás apenas de Titanic), chega, finalmente, nossa (minha) avaliação da mais recente incursão do morcegão aos cinemas.

O Cavaleiro das Trevas é seqüência direta do já muito bom Batman Begins e supera seu antecessor em praticamente todos os aspectos. Sucesso absoluto de público, aclamadíssima pela crítica, a nova aventura cinematográfica de Batman aposta numa abordagem densa e soturna como raras vezes vista em adaptações do herói para outras mídias. Batman – O Cavaleiro das Trevas é um filme trágico, pessimista, que mal permite o vislumbre de uma luz no fim do túnel. Mostra a loucura e o caos se espalhando como uma epidemia, o triunfo (ainda que não completo) do mal e da corrupção, a transformação dos heróis em vilões. Como diz o personagem Harvey Dent, “ou você morre como herói, ou vive o bastante para se tornar o vilão”. E é exatamente disso que trata o filme. Em poucas palavras, pode-se dizer que a obra conta a história da queda do “cavaleiro branco” de Gotham, da transformação do promotor público Harvey Dent, flagelo da máfia de Gotham City, no tresloucado Duas-Caras.

O Cavaleiro das Trevas é um autêntico drama policial – que pode muito bem inaugurar uma nova era, mais sombria, para os filmes de super-heróis (pelo menos na DC/Warner). Entretanto, ao contrário do que muito tem se falado, não creio que o fato da película ter uma temática dark e adulta faz com que ela transcenda completamente o gênero super-heróis ou adaptações de quadrinhos. Pelo contrário. Acredito que um de seus grandes trunfos é justamente o de ser um thriller policial e psicológico dos melhores sem nunca perder sua essência de filme de super-herói. O Cavaleiro das Trevas junta o melhor de dois mundos – as cenas de ação mirabolantes com um cara vestido de morcego, dignas das HQs, e drama e suspense de fazerem inveja a qualquer filme policial – de forma orgânica e funcional, sem preterir nenhuma das partes.

Tecnicamente, o filme beira a perfeição. A fotografia é sensacional e a direção de Christopher Nolan, inspiradíssima. Aliás, numa época dominada pela computação gráfica, Nolan preferiu reduzir os efeitos especiais ao mínimo, gravando tudo que fosse posível com objetos e situações reais, o que conferiu maior dinamismo e verossimilhança às cenas.

O roteiro é extremamente bem amarrado. Nada, na película, é gratuito. Tudo tem motivo de estar ali e (quase) tudo faz sentido. Até mesmo as piadinhas do mordomo Alfred, que em Begins pareciam, às vezes, meio perdidas, fora de contexto, encontram seu lugar e sua função perfeitamente. A trama avança com naturalidade e cada personagem é bem desenvolvido, tendo seu “lugar ao sol”, desde Lucius Fox até o Coringa. Além disso, o filme tem diversas falas e situações memoráveis, como a já antológica cena do lápis.

As atuações também são, em geral, muito boas. Até mesmo a personagem Rachel Dawes, antes vivida pela insossa Katie Holmes, ganha uma interpretação de qualidade com Maggie Gyllenhaal. Mas, em meio a bons papéis de Christian Bale, Gary Oldman, Aaron Eckhart, etc., o destaque mesmo fica por conta do Coringa de Heath Ledger. É difícil compará-lo, por exemplo, ao Coringa de Jack Nicholson, que tinha uma personalidade completamente diferente. Ainda assim, ouso dizer que Ledger foi melhor. Confesso que, no início, a história da maquiagem me incomodou, mas dou o braço a torcer: é a versão definitiva do personagem. Menos brincalhão, mais sinistro e sádico do que nunca. Louco, masoquista, sociopata, um verdadeiro avatar do caos. Cheio de (geniais e… irritantes) trejeitos como só Ledger soube fazer. Ainda tenho esperança que a morte de Heath Ledger tenha sido apenas uma grande jogada de marketing e ele apareça na cerimônia do Oscar para receber o prêmio de melhor ator (se bem que a concorrência é forte).

Bom, depois de tantos elogios você já deve estar achando que vou dar o braço a torcer (mais uma vez) e dizer que Batman – O Cavaleiro das Trevas é o melhor filme de todos os tempos ou, pelo menos, o filme do ano até aqui. Enganou-se, fiel (?) leitor. O Cavaleiro das Trevas pode ser um drama policial de primeira, “o Cidadão Kane dos filmes de super-heróis”, poesia pura nas telonas, etc., mas não chega a ser perfeito. Para começar, a inflexão de voz gutural e distorcida usada por Bale quando uniformizado como Batman é irritante e, por vezes, quase incompreensível. O destino de Harvey Dent/Duas-Caras e o papel do Batman nesse destino, além da resolução da situação nas balsas, também me incomodou. Além disso, uma grande qualidade da película, que é equilibrar o destaque dado a diversos personagens, acaba sendo uma faca de dois gumes: por vezes, o (suposto) protagonista, o personagem-título, parece apenas mais um e não o centro em torno do qual toda a história deveria girar. Isso não é exatamente um defeito e, aliás, é algo muito comumente (bem) utilizado nos quadrinhos, mas não deixa de causar certa estranheza. Por fim, o meu grande problema com O Cavaleiro das Trevas: não é um filme que empolga. Pelo contrário. É tudo muito bonito, muito bem feito, poético até, mas fica faltando aquela sensação de euforia na saída do cinema. Não que todo filme tenha que ser empolgante e extremamente divertido do início ao fim, mas é o que eu esperaria de um filme do Batman, pelo menos numa pequena dose. Um pouco mais pipoca e menos obra de arte. Deixem o pessimismo para Watchmen.

Dito isso, Batman – O Cavaleiro das Trevas é, mesmo assim, um dos melhores filme que vi na vida. Mas poderia ter sido ainda melhor. E provavelmente eu teria achado ainda melhor, não tivesse o filme sido lançado pouco depois de Homem de Ferro. Claro, eu não poderia fugir da comparação entre os dois blockbusters de super-heróis deste verão norte-americano, certo? Então, se O Cavaleiro das Trevas é mesmo o Cidadão Kane, a poesia parnasiana, o caviar dos filmes de super-heróis, Homem de Ferro é Duro de Matar, é um gibi leve e descompromissado, é um bom xis-salada. Menos sofisticado, mas mais divertido, mais empolgante.

Pronto, que comecem a me atirar as pedras.


Um Ano Depois: A Morte do Sonho

08/03/2008

ou O que todos já sabiam que aconteceria porque já havia de fato acontecido lá fora

ou Ode a Ed Brubaker

Capitão América baleado

Façamos um minuto de silêncio em respeito ao falecimento de Steve Rogers, o Capitão América. Descanse em paz, soldado.

Lembro que em uma das primeiras aulas de Técnicas de Telejornalismo na faculdade, o professor pediu que escrevêssemos e gravássemos uma passagem baseada em uma notícia do dia. Me achando muito original, fiz um texto sobre a morte do Capitão América nos quadrinhos. Se não me engano, dois outros colegas escreveram sobre o mesmo assunto. Isso já faz um ano.

Na época, o triste fim do Sentinela da Liberdade foi noticiado em diversos grandes veículos dos EUA e do mundo. Teve destaque no New York Times e ganhou até matéria no Jornal da Globo. Ou seja, todos já sabíamos da morte deste verdadeiro ícone das HQs. Eu, inclusive, lera a revista original na qual ocorre o assassinato do Capitão dias depois de seu lançamento lá fora. Mesmo assim, isso tudo não tornou menos chocante ou comovente a leitura, apenas algumas horas atrás, da publicação nacional que traz A Morte do Sonho. (Os quadrinhos Marvel e DC publicados no Brasil têm uma defasagem de cerca de um ano em relação às revistas originais norte-americanas).

Após render-se para dar fim à Guerra Civil super-heróica, Steve Rogers é morto a tiros às portas do tribunal federal de Nova York, a caminho de seu julgamento, graças a um plano nefasto de seu nefasto arquiinimigo, o Caveira Vermelha. Um fim deveras melancólico para um herói de tantas lutas, tantas glórias e que representava tanto. Ainda assim, por mais estranho que possa soar, um fim que parece absolutamente adequado. (Principalmente se levarmos em consideração toda a simbologia e a intrincada relação entre o personagem e sua própria nação, entre a morte do Capitão América e a morte do sonho americano, que nunca pareceu tão próxima… Se o autor de fato tinha a intenção de estimular essa reflexão, é outra história, mas é difícil não se fazer a ligação).

Enfim, A Morte do Sonho – Parte Um é uma HQ emocionante, magistralmente conduzida pelo roteirista Ed Brubaker e muito bem ilustrada por Steve Epting. Numa mídia em que a morte de personagens tornou-se algo banal, Brubaker consegue escrever uma que se destaca, que realmente mexe com o leitor, mesmo aquele que já sabia dela antes de ler a história.

Não é à toa que Ed Brubaker recebeu o Eisner (o “Oscar dos quadrinhos”) de melhor escritor em 2007 por seu trabalho em — entre outras HQs — Captain America. Ao longo de 24 edições no roteiro da série, ele foi construindo uma trama cheia de ação e suspense, extremamente bem encadeada, que culminou com o assassinato do personagem-título no 25º número. O mais incrível é que, um ano depois, a revista do Capitão continua firme e forte lá fora, mantendo o alto nível de qualidade, mesmo tendo passado tanto tempo sem um Capitão América para justificar o nome na capa.

Na edição de número 34, lançada em janeiro deste ano nos EUA, finalmente estreou o novo Capitão. De qualquer forma, 8 edições consecutivas sem o personagem principal da série é um número absurdamente grande, que só vem atestar o carisma dos coadjuvantes do universo do Capitão América e, especialmente, o grande talento do escritor Ed Brubaker.

O Capitão América está morto. Vida longa ao Capitão América!

Postado por Kauê


Dupla mortífera

27/11/2007

Poucos filmes de Hollywood conseguiram lançar continuações para um sucesso. Menos deles conseguiram manter os mesmos atores para essas continuações. E menos deles ainda conseguiram manter o entrosamento e a mesma fórmula, sem decepcionar o público. E raros ainda são aqueles em que uma dupla se deu tão bem na história dos longas de ação. E vou parar o afunilamento, porque vocês já sabem onde quero chegar.

Roger Murtaugh (Danny Glover) é um sargento renomado da Polícia de Nova York (Nova York? Esqueci-me agora da cidade deles, mas creio que é essa). Pacato, sempre prefere resolver os casos na base da conversa. Só mata se achar realmente necessário. Tem família, uma casinha branca e ganha bem.

Martin Riggs (Mel Gibson) tinha tudo para ser como seu futuro parceiro Roger. Mas perdeu a mulher em um acidente, foi morar em um trailer e seu único amigo é um cachorro. Caminha nu em sua apertada morada e, deprimido, noite após noite pensa em se matar. Escolhe uma bala para a ocasião que ele ache especial. Seu jeito de fazer justiça é simples: ele mata e depois pergunta. Nada mal para quem está em seu limite de sanidade.

Ambos nunca se viram na polícia. E do nada se conhecem, pois são recrutados para resolverem um caso de tráfico internacional. Forma-se naquele momento uma das maiores duplas policiais dos filmes do gênero.

A fórmula perfeita de Máquina Mortífera não é nem um pouco complexa. Ela só junta dois policiais completamente diferentes em uma missão complicada e taca uma pitada um tanto exagerada de humor. Deu certo nos anos 80 e 90. Mel Gibson, antes de virar pastor e com seus mullets oitentistas, tem uma atuação impecável no primeiro filme da série. Além disso, à medida em que o filme ganha uma continuação, acrescentam um novo ator ou atriz, que nunca decepcionam.

Vocês lembram? No segundo longa, Joe Pesci dá as caras como Leo, um atrapalhado amigo de Roger. No terceiro, é a vez da bela Rene Russo aparecer, no papel de Lorna, uma policial que vai assumir um romance com Riggs. E no quarto, a aparição do oriental Jet Li, um vilão que vai dar muito trabalho para a dupla.

Certamente o filme que mais me marcou foi o terceiro. Nele que conheci Roger e Riggs. A primeira cena é inesquecível. A dupla vai para um prédio onde existe uma bomba. Ela vai explodir em dez minutos, e eles decidem desarmá-la. Alguns pedaços do diálogo:

– Riggs, espera! Falta oito minutos e trinta e dois segundos pra bomba explodir. Dá pra esperar o esquadrão antibomba, tomar um capuccino…
– E se não chegar? Vamos, eu acho que é o fio azul. Sempre é o fio azul.
– E se for o vermelho?
– Então a gente corta o vermelho agora, ora.

Lá pelas tantas, Riggs corta o fio vermelho e a contagem regressiva da bomba acelera. Há um gato perto deles.

– Ahn… Roger…
– Que é?
– Pega o gato!!!!
– Pegar o gato?????

Ou então o diálogo sobre a palavra “Valeu”. Riggs define:

– Valeu, ué. Começa com V, tem L no meio e U no final.

Só para se ter uma idéia de como o público gostou tanto da série, o primeiro filme data de 1987. O quarto filme, de 11 anos depois. Com os atores no mesmo entrosamento.

Infelizmente, não veremos uma continuação dele. O motivo fica justificado pela célebre frase de Roger:

– Eu estou velho demais para essas coisas…

Mas ainda assim, é sempre bom revê-los e lembrar que, algum dia, os filmes e os atores já foram geniais. Criatividade que hoje só vemos aos lampejos.

Postado por Fred